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Sim, existe. (... E novo layout)

Posted by Odir Macêdo Neto on 21:10
Belém, 27 de abril de 2009.

Sem muitas coisas para postar. Porém, comemorando o novo layout do blog, pus aqui um slideshow muito interessante, e muito lindo, diga-se de passagem, com uma mensagem muito especial.

Abraços e até outro tempo, com certeza, com muita coisa para postar.

Odir.
Albert Einstein
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A Notável "Memória do Coração"

Posted by Odir Macêdo Neto on 20:24 in
Belém, 2 de abril de 2009.

Nota-se que a chuva caiu há poucos minutos porque há grande umidade no ar; porque há poças d'água no caminho do andarilho; porque há pingos saltando das folhas para o vestido da moça que espera o ônibus na esquina; porque ecoa nos ouvidos dos transeuntes o tilintar das gotas no chão.

Nota-se que a tia-avó fez um bolo de laranja porque há o frescor do odor que representa o sabor do bolo se espalhando pela casa; porque há gente deixando de engolir em seco para lubrificar a boca, a língua, a faringe, o esôfago; porque há gente se arrumando no sofá da sala à espera de um saciar da fome danada; porque há o sorriso da tia-avó em tirar o bolo do forno, tirar o bolo da forma, aprumá-lo no prato, cortá-lo suavemente, colocar os pedaços nos pires e, junto com um suco qualquer, servi-los às visitas.

Nota-se que o menininho da rua ao lado está doente porque não se vê mais a correria na frente de casa, da casa, das casas, no quintal da vizinha, do vizinho, dos vizinhos; porque não se ouve mais a gritaria de criança brincando, menino brigando, lutando, menina jogando, planejando, e criança brincando novamente; porque as demais crianças trancafiaram-se a si mesmas próprias elas em suas casas, em seus quartos, em seus mundos, onde o luto tem vez e o respeito também.

Nota-se que se sente dor de cabeça porque se sente uma dor na cabeça; porque há um rebuliço nos miolos, um balançar na sanidade, um chacoalhar na sensatez; porque há um descansar sem estar cansado; porque há um cansaço por querer cansar; porque há uma sensibilidade ao barulhinho do alfinete que caiu de ponta, em cima do carpete de dois dedos de espessura do chão do quarto ao lado, pela parede de dois palmos de espessura, estando a dois metros de distância dela; porque há a rabujice, a ignorância, a ira sem causa, a estupidez, a imaturidade, o choro, a doença e o desespero pela Neusa.

Nota-se tanta coisa, porque há sinais que revelam, que mostram, que apresentam a forte evidência de que os subentendidos e pressupostos são realmente reais; porque há sinais que arrancam do peito a incerteza, a angústia, a dúvida, o medo; porque há dicas e pistas e indicações que levam o sagaz descobridor, não a descobrir o tesouro perdido, mas a encontrar a solução do mistério escondido, abolindo os "achismos", as suposições e teorias não comprovadas.

Nota-se muita coisa...

Mas há quem note quando está se perdendo alguma coisa? Há quem possa notar que algo está escapando entre os dedos, como a fina areia que resvala pelas brechas da firmeza e da confiança? "Pra que ser tão piegas?" Ora, porque há quem note tamanho acontecimento? Não, não se nota o perder, o processo de perda. A perda sim, é notável. Mas há quem note que está perdendo?

Não se nota que a namorada está perdendo o namorado, nem ela nota. Porque os longos meses de carinho e proximidade são um tudo perto do pânico, do medo e do susto que sofre o namorado em ver que está indo tão longe no relacionamento, como nunca estivera. Porque a mente da namorada está tão perto da realidade que não viaja para as longínquas probabilidades remotas de perder o namorado que, quer queira, quer não, são possíveis de acontecer. Porque não se espera que o macho abandone a fêmea em ato covarde e egoísta. Porque se espera, mas não se releva a probabilidade.

Não se nota que a Miss Universo do ano passado está a cada dia perdendo a sua beleza, e nem ela nota. Porque a coroa que ela sustenta resplandece sobre ela e lhe garante o glamour eterno de um ano de duração. Porque o sorriso carregado e a mãozinha delicada exibem os símbolos da Beleza Universal, e a faixa que a enlaça durante o ano de reinado carrega o título de uma Bela Mulher, e símbolos e títulos é tudo que alguém necessita para cegar e, consequentemente, não notar.

Não se nota que o rapaz sentado no banco da praça às 3h da manhã, à espera de sabe lá o que, está morrendo. Não se nota que a vida se esvai de seu corpo a cada minuto. Não se nota que a sua existência na terra se desvanece, para tomar forma na eternidade. Não se nota. Porque seus olhos estão vidrados em algum lugar, além do carro cinza estacionado do outro lado da calçada. Porque suas mãos estão agarradas às laterais da calça jeans azul e não querem se soltar; não podem. Porque sua boca está aberta já faz uns segundos desde o início do parágrafo e parece estar solta também. Porque o rapaz está imóvel. O rapaz está parado. O rapaz está morto. Não se notou que o rapaz estava morto desde o início do parágrafo porque não se nota quando está se perdendo alguma coisa.

E mesmo que alguém note, ainda que queira reparar, dificilmente, em alguns casos, pode... Em alguns tempos, quando está se perdendo alguma coisa, o aconselhável é se arrepender de não ter notado antes; talvez porque antes poderia ter tentado reverter a situação, impedir que o mal se aproximasse. Mas em alguns tempos, quando está se perdendo alguma coisa, o aconselhável, se se notar antes, é procurar ganhar tempo... Tempo para se despedir. Tempo para se conformar. Tempo para aceitar. Tempo para ver que, na pior das hipóteses, nada pode ser feito.

Nota-se que a vida tem seu rumo, que a vida tem sua trajetória, e que algumas coisas da vida são assim porque assim têm que ser. Nota-se que Deus tem sua maneira, que Deus tem sua vontade, e que algumas coisas que Deus faz são feitas assim porque assim têm que ser feitas.

Nota-se, quando se nota antes alguma coisa e por isso procura-se ganhar tempo para pensar, que resta um saldo positivo de tempo, no final das contas. E que o tempo serve para fazer notar que o que se perdeu não está tão perdido assim, mas guardado naquele lugar revestido de carpete vermelho de dois dedos de espessura, sensível ao cair de um alfinete, forte ao terremeto mais estrondoso, quente como o abraço, gostoso como o beijo; aquela parte perene e eterna e perpétua e duradoura do ser...: A notável memória do nosso coração.

Nota-se... que ela existe.

Odir Macêdo Neto.

Até.